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UNIS/CP/611
18 de abril 2010

Antonio Maria Costa, Diretor Executivo do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime

"Não Há Segurança Ou Desenvolvimento Sem Justiça"

Este Congresso de Prevenção ao Crime conseguirá vencer seus desafios?

SALVADOR, 18 de abril (Serviço de Informação da ONU) - O texto a seguir é o discurso proferido por Antonio Maria Costa, Diretor Executivo do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime para o Segmento de Alto Nível do 12º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal.

Vossas Excelências, Senhoras e senhores,

Até agora, este Congresso de prevenção ao Crime colocou o sistema global de justiça criminal sob julgamento - se me permitem a metáfora. Eu não ficaria surpreso se o veredicto fosse severo. Em muitas partes do mundo:

Se o sistema de justiça criminal estivesse mesmo sob julgamento, o caso seria arquivado por falta de provas. Ao contrário de outras áreas nos quais as Nações Unidas são a melhor fonte global de informação, não temos regras, dados nem um marco lógico para reportar as tendências do crime, entender suas causas e medir sua dimensão. Impossibilitados de medir os progressos, não podemos afirmar se o trabalho das policiais está sendo bem sucedido ou não.

Tudo o que podemos ver são as consequências, os custos materiais e o sofrimento causados pelo crime. Permitam-me focar especialmente no crime organizado, porque é ele que tem chamado a atenção.

Uma ameaça à segurança

No último quarto de século, especialmente depois da Guerra Fria, uma abertura sem precedentes no comércio, nas finanças, nas viagens e nas comunicações tem impulsionado o crescimento econômico e os padrões de vida das pessoas. Assim, o fato de que a governança global não tenha conseguido acompanhar a globalização econômica permitiu que máfias internacionais prosperassem. O crime organizado se tornou um negócio com dimensões macroeconômicas comparado aos produtos nacionais de muitos países e aos faturamentos das maiores corporações mundiais. Por seu tamanho e por seus meios, o crime organizado também se tornou uma ameaça à segurança:

A ameaça do crime organizado é tão séria que o Conselho de Segurança da ONU, em várias ocasiões, considerou suas implicações em diversas áreas (Ásia Ocidental, América Central, África Ocidental e Oriental), e em relação a vários temas (tráfico de armas, de drogas, de pessoas e de recursos naturais). O UNODC, muitas vezes chamado a levar evidências no passado, está honrado em receber a missão de reportar periodicamente ao Conselho no futuro.

Uma ameaça ao desenvolvimento

O crime organizado também representa uma ameaça ao bem estar das nações. O crime cria instabilidade que afasta investimentos - um círculo vicioso que alimenta conflitos, a pobreza em massa e os danos ambientais. O crime se tornou um impedimento à conquista dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Eu costumava achar estranho que o combate ao crime não estava incluído entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Mas agora vejo com satisfação que a busca pela justiça vai além de um objetivo do milênio adicional: ele é a base para todos esses objetivos. Não pode haver desenvolvimento sem justiça - e vice-versa.

Para ilustrar tudo isso, pegue um mapa dos países assolados pelo crime e pela corrupção e o sobreponha a um mapa dos conflitos. Então, justaponha uma tabela de renda per capita. Você verá que crime, violência e subdesenvolvimento se sobrepõem. E esses países, claro, coincidem com as operações das Forças de Paz da ONU. Como esses países poderão atingir as metas de desenvolvimento? Há uma correlação mútua entre um Estado de Direito fraco e um desempenho econômico fraco. E quando falo de correlação, como um cientista social, e com uma inclinação mais técnica, alguns analistas mais convincentes poderiam chamar de causalidade. Em outras palavras, o crime está sim causando pobreza.

Nós não podemos apenas jogar dinheiro e capacetes azuis nas situações de crime: é a busca pela justiça que irá criar condições para a segurança e o desenvolvimento. Por isso, eu convido esse Congresso a contribuir para a Cúpula dos Objetivos do Milênio, convocado pela Secretaria-Geral para setembro e a facilitar a implementação dos objetivos no terceiro e último período (2011-2015).

Como o Congresso de Prevenção ao Crime pode ajudar?

Até agora, falei que o crime organizado é uma ameaça à segurança e ao desenvolvimento, Eu não sou o único a dizer isso: em muitas pesquisas, o crime está emergindo como um fantasma ao qual as pessoas temem tanto ou mais do que o terrorismo, o desemprego e as mudanças climáticas. Com boa parte da humanidade esperando uma justiça mais rápida e mais honesta, como este Congresso pode ajudar? Vamos discutir eternamente a declaração ou vamos agir para facilitar a realização da justiça? O mundo está esperando sua orientação: não decepcione a "nós, o povo...".

Governos podem fazer muito - e ainda será pouco

Antes de terminar, Vossas Excelências, permitam-me falar sobre algo que me traz angústia: o importante papel que a sociedade com um todo representa na promoção da justiça.

Começo partindo de uma observação que deve ter ocorrido a vocês também: a incongruência entre (a silenciosa) maioria da sociedade que é corroída pelo crime e a (estrondosa) minoria que é atraída por ele - por lucro ou diversão.

Olhem ao redor, por favor, e encontrem os colaboradores voluntários do crime organizado. Jornalistas irresponsáveis (que esqueceram de seus colegas mortos em função de seu trabalho investigativo) transformam gângsteres em estrelas e glamorizam a violência. Jornalistas financeiros listam grandes criminosos entre os ricos e famosos do mundo. Banqueiros se apressam em investir proventos sanguinários enquanto um batalhão de advogados, contadores, consultores financeiros e corretores imobiliários de colarinho branco também recebem fatias do bolo.

E há também a indústria do entretenimento: vários gêneros cinematográficos, de literatura, música e vídeo games glamorizam os gângsteres, os bandidos e os matadores de aluguel. Séries de TV populares celebram os mafiosos, seus carros, armas e suas mulheres. Músicos transformam narcotraficantes em heróis folclóricos e fazem canções sobre "ficar doidão". Modelos são fotografadas cheirando cocaína mesmo que a droga tenha sido traficada através do intestino de mulas.

São todas essas pessoas cegas? Estúpidas? Mercenárias? Eu não sei, talvez tudo isso e até mais. Com certeza elas estão se esquecendo dos agricultores miseráveis que cultivam terras áridas com suas próprias mãos para satisfazer o consumo de drogas do outro lado do mundo; das meninas vendidas pelos seus próprios pais a bordéis; crianças submetidas a trabalho forçado para produzir roupas caras; jovens desempregados que se tornam soldados de máfias internacionais, imigrantes ilegais atraídos para fábricas clandestinas; ou dos milhares de infelizes, pessoas comuns que morrem no fogo cruzado da violência dos cartéis.

Aonde quero chegar? A lei não prevalecerá a menos que empreendamos maciços esforços para engajar pessoas comuns e fazer a sociedade desejar promover mais amplamente a cultura de justiça - como igualmente está acontecendo em lutas titânicas contra as mudanças climáticas, pandemias e a pobreza. Eu saúdo a vibrante participação da sociedade civil nesse Congresso.

Não há como haver segurança ou desenvolvimento sem haver justiça. A prevenção ao crime e a justiça criminal não tem um fim em si mesmo: elas podem gerar sociedades mais ricas e seguras. Fiat justitia et perat mundias (faça-se justiça, ainda que o mundo acabe), diriam meus ancestrais latinos. Eu convido vocês a inverter isso: faça-se justiça para salvar o mundo. Obrigado pela atenção.

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Para baixar o kit de imprensa (disponível também em português) acesse:

www.unis.unvienna.org/unis/en/events/2010/12th-crime-congress.html
www.un.org/en/conf/crimecongress2010/

Para ver a transmissão do 12º Congresso ao vivo ao vivo: www.un.org/webcast/crime2010